A falta de água em São Paulo é uma realidade há meses em diversos
pontos do Estado. Na semana passada, o governador Geraldo Alckmin (PSDB)
admitiu que há sim racionamento (diante da repercussão, tentou voltar
atrás), algo que a população – sobretudo a dos bairros mais carentes – já
sabia. O que também já se sabe é que, sim, a água vai mesmo acabar. Se não chegar a
zerar, terá níveis baixíssimos que afetarão a vida de todos, a partir de março.
Os
especialistas ouvidos pelo Brasil Post
viram com bons olhos o fato de que o governo paulista, com atraso, reconheceu o
racionamento. Também aprovaram a aplicação de multa contra aqueles
que consomem muita água –
embora a medida, tardia, devesse ser uma política sempre presente, e não para
‘apagar incêndios’ como agora. Contudo, o cenário que se colocará com a chegada
do período de estiagem, entre o fim de março e começo de abril, se estendendo
até outubro, vai requerer
novos hábitos, seja dos gestores ou da população.
“Quando
acabar a água serão interrompidas atividades que não são consideradas
essenciais, com cortes para o comércio, para a indústria e o fechamento de
locais com muito uso de água, como shoppings, escolas e universidades”,
analisou o professor Antonio
Carlos Zuffo, especialista na área de recursos hídricos na
Unicamp. Parece exagerado, mas não é. Segundo o jornal O Estado de São Paulo
desta quarta-feira (21), os seis mananciais que abastecem 20 milhões de pessoas
na Grande São Paulo têm registrado déficit de
2,5 bilhões de litros por dia em pleno período no qual
deveriam encher para suprir os meses de seca.
Já em 2002,
a Saneas, revista da Associação dos Engenheiros da Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (AESabesp), publicava um texto no qual
apontava “uma
inegável situação de estresse hídrico”, a qual podia “ter um final trágico, com
previsões de escassez crônica em 15 anos”. A Agência Nacional
de Águas (ANA) apontava, na outorga de uso do Sistema Cantareira de
2004, que era preciso diminuir a dependência desse sistema. Em plena crise, na
tentativa de renovação em 2014, havia uma tentativa de aumentar, e não
diminuir, o uso do Cantareira. Ou seja, algo impraticável e ignorando as
previsões. Não, a culpa
não é de São Pedro!
“Hoje a
situação é muito pior que no ano passado. Em janeiro de 2014 tínhamos 27,2%
positivos no Cantareira, hoje temos 23,5% negativos. Ou seja, consumimos 50% do
volume nesse período. Mantida a média de consumo, a água acaba no fim de março.
É preciso lembrar que janeiro é o mês com maior incidência de chuva em SP, seguido
por dezembro. No mês passado, choveu 25% a menos do que a média. Esse mês só
choveu 22%, 23% da média. A equação é simples: não vai ter água para todo
mundo”, completou Zuffo.
Informação e
transparência
Para a
ambientalista Malu Ribeiro,
da ONG SOS Mata Atlântica,
a demora em admitir o óbvio por parte das autoridades trouxe mais prejuízos do que benefícios ao
longo dos últimos 13 meses. “A sociedade precisa ter a noção
clara da gravidade dessa crise. Quando as autoridades passam certa confiança,
como era o caso do governo Alckmin, a tendência é que não se alerte da forma
necessária e as pessoas se mantenham em uma situação confortável. Muita gente
não acredita na proporção dessa crise, muito se agravou e agora é preciso
cautela”, avaliou.
As mudanças
na Secretaria de Recursos Hídricos e na presidência da Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com as entradas de Benedito Braga e Jerson Kelman, respectivamente,
também foram benéficas, já que colocam em posições estratégicas dois
especialistas no tema. Entretanto, isso não basta. A necessidade de discutir a gestão da água
sob o âmbito estratégico, algo muito teórico e pouco prático no
Brasil, é vista como fundamental em tempos de crise.
“Há ainda
muita ocupação em áreas de mananciais, por exemplo. Então vemos que o
comportamento, apesar da crise não ser nova, não mudou. Veja em Itu, onde eu
moro, onde a crise foi muito pior e, agora que choveu um pouco, as pessoas
acham que não precisam mais poupar, que tudo voltou ao normal. O combate ao
desperdício deve ser permanente e temos de ter prevenção. É preciso doer no
bolso, por isso a multa deve ser permanente”, disse Malu.
“A falta de
informação resultou em uma insegurança, sem informar à população sobre o seu
papel na crise. A ONU já apontava que a década entre 2010 e 2020 seria da água,
e não por acaso, mas no Brasil há uma timidez nesse sentido. É preciso mudar
essa cultura de abundância que se tem no Sudeste e desenvolver um plano
estratégico, com mais poder aos comitês de bacia. É absurdo o desperdício de
água na agricultura, e isso não é discutido. É hora de acordar”, completou a
ambientalista.
“Água cara” veio para ficar
De acordo
com os especialistas, a crise da água expõe também um cenário já esperado, já
que a Terra passa por ciclos alternados entre seca e chuvas a cada 30 anos. O
atual, iniciado em 2010 e que segue até 2040, será recheado de períodos de seca em regiões
populosas, quadro a se inverter apenas daqui a 25 anos. Assim,
é preciso mudar hábitos, antes de mais nada. Mesmo em tempos de calor
excessivo, há quem ainda não tenha se dado conta disso.
“Muita gente
se vê alheia ao problema e, com o calor, acaba correndo para comprar
piscininhas e usa a água para o lazer. O Carnaval que está chegando também
ajuda a tirar o cidadão comum do foco, como ocorreu durante as eleições. Isso
não é mais possível. Há a responsabilidade dos gestores, mas também é preciso
que o cidadão se atente ao seu papel, sob pena de termos novas ‘cidades
mortas’, como no Vale do Paraíba ou no Vale do Jequitinhonha, onde os recursos
naturais foram exauridos”, afirmou Malu.
E que
ninguém se anime com a promessa da Sabesp de que ainda há uma terceira cota de 41 bilhões de litros
do volume morto do Cantareira, cujo uso deve ser solicitado
pelo governo paulista junto à ANA nos próximos dias. “Sabemos que 45% do
Cantareira que não é captado é volume morto. A terceira cota restante não é
toda ela captável. Teríamos com ela mais uns 10%, suficiente só para mais
algumas semanas”, comentou Zuffo.
Medidas
sugeridas ao longo da crise, o reuso da água e a dessalinização são
medidas caras e que dependem de outros aspectos para serem implementadas – e,
com o possível racionamento de energia elétrica, podem não sair do papel. Ou
seja, não são a solução a curto prazo.
O uso de mais água de represas como a Billings (com sua notória poluição)
também dependem de obras – outro entrave para quem gostaria de não ver a falta
de água por dias seguidos se tornar uma realidade por meses a fio. Sem chuva,
só há um caminho a seguir.
“Há uma
variabilidade cíclica natural, que nada tem a ver com o aquecimento global, mas
não temos engenharia para resolver a questão no curto prazo. Temos é que ter
inteligência para nos adaptar e reduzir de 250 litros para 150 litros, ou ainda
menos, o consumo de água por cada pessoa. Há países europeus em que o uso não
passa de 60 litros/pessoa. É preciso usar menos e tratar a água de maneira que
ela possa ser reutilizada. Tudo depende de tecnologia e novos hábitos”,
concluiu Zuffo.
Texto: Thiago de Araujo, via
Brasil Post
Nenhum comentário:
Postar um comentário