O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) em
entrevista no último dia 20 de março, fala sobre a dimensão do “CASO HSBC” – que ganhou nas redes o
apelido de “Suiçalão” – e explica como o episódio escancara a hipocrisia e o
moralismo de ocasião da grande mídia e de parte da sociedade brasileira.
O parlamentar solicitou ao Ministério
da Justiça e à Procuradoria-Geral da República a investigação do esquema, cujo
volume no mundo ultrapassa a casa de 100 bilhões de dólares e, só no Brasil,
gira em torno de 20 bilhões de reais.
O caso veio à tona graças ao vazamento
de informações promovido por um ex-funcionário do HSBC em Genebra, Herve
Falciani, que entregou os dados sobre milhares de contas sigilosas do banco ao
jornal francês Le Monde e ao Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos (ICIJ na sigla em inglês).
Os documentos revelam que o HSBC
envolveu nesse esquema mais de 106 mil clientes – inclusive grupos suspeitos
por tráfico de drogas e terrorismo – em 203 países entre 1988 e 2007. Confira a
entrevista.
Qual a dimensão real do “Suiçalão” no
mundo e no Brasil?
Pimenta: Devemos ter claro, em primeiro lugar,
que podemos estar diante do maior caso de corrupção já detectado no mundo.
Estamos falando de um volume em torno de 100 bilhões de dólares, montante que
foi movimentado por um banco que se vale da sua presença em todo o mundo para
operar como uma verdadeira multinacional da sonegação e da evasão fiscal, uma
multinacional de crimes financeiros. E é um caso que envolve milhares de
pessoas físicas, mas também empresas de vários setores, inclusive da própria mídia*.
O SwissLeaks
é um escândalo gigantesco, e não um caso de proporção menor, como certos
setores buscam tratá-lo aqui em nosso país. É um esquema que precisa ser
investigado de forma cooperativa pelos governos, parlamentos e ministérios
públicos dos países que são vítimas da ação do banco. Somente no Brasil
trata-se de uma quantia aproximada de 20 bilhões de reais que possivelmente
foram sonegados e evadidos e isso prejudica a nossa economia.
Para termos uma noção de comparação, o
orçamento inteiro do programa Bolsa Família para 2015, que beneficiará
diretamente cerca de 50 milhões de pessoas, é de 26 bilhões de reais!
E neste caso estamos falando de 8.867
pessoas [no Brasil] envolvidas no esquema.
Como tal esquema pode funcionar alheio
à fiscalização do sistema financeiro?
Pimenta: Na realidade este é mais um escândalo
causado pela desregulamentação do sistema financeiro, pela frouxidão da
fiscalização das atividades das instituições financeiras. Quando eclodiu a
crise de 2008, o mundo todo clamou por mais transparência e regulamentação, por
mecanismos mais sólidos e consistentes para monitorar e determinar sanções ao
sistema financeiro, mas quase nada de efetivo foi feito.
Em 2013, a senadora Elisabeth Warren,
dos Estados Unidos, questionou publicamente quanto tempo ainda seria necessário
para se fechar um banco como o HSBC. E esse é apenas um banco, pois temos
muitos casos nas últimas décadas que mostram, no mundo inteiro, os vínculos do
sistema financeiro com ditaduras, com o crime organizado, com o narcotráfico,
com o contrabando de armas e com outros tipos de ilícitos e contravenções.
Ou nós estabelecemos uma fiscalização
mais forte sobre o sistema financeiro ou casos como este continuarão se
repetindo. Nós temos agora uma oportunidade histórica para reformar esse setor,
que não pode seguir atuando à margem da lei.
O que deve ser feito pelos órgãos
competentes?
Pimenta: Obter acesso à lista das contas dos
clientes brasileiros é a primeira providência. Então será possível confirmar se
houve sonegação fiscal e evasão de divisas. E a partir daí é preciso verificar
a origem desses recursos e apurar se há outros crimes envolvidos. O interesse
nas aplicações financeiras na Suíça é óbvio e todos sabem qual é: a busca pelo
anonimato e a privacidade que os bancos desse país oferecem e que permitem que
seja burlado o fisco brasileiro.
Por isso, é necessário que seja feito
um “pente fino” pelo Banco Central, pela Receita Federal, pelo COAF [Conselho
de Controle de Atividades Financeiras], pelo Ministério Público Federal e pela
Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal, bem como pelo
Congresso Nacional, que deve se debruçar sobre essa questão, seja por meio de
uma comissão externa que vá à Suíça, seja através de outro instrumento.
E a mídia brasileira tem a obrigação profissional de informar a
sociedade a respeito deste escândalo, que não encontra nenhum caso paralelo na
nossa história.
Por falar nisso, parece que esse caso
demonstra a indignação seletiva e moral casuística da mídia e de parte da nossa
sociedade. Como você enxerga esse aspecto?
Pimenta: A cobertura desse episódio na grande
mídia até o momento tem sido pífia e absolutamente vergonhosa. Os veículos,
colunistas, articulistas e comentaristas de TV, rádio, imprensa e portais estão
visivelmente constrangidos e sem saber como tratar a questão, que certamente
envolve muitos personagens que historicamente são blindados politicamente.
Isso é comprovado pelo silêncio
retumbante em relação ao ex-assessor graúdo [Saul Sabbá] do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, que atuou diretamente no processo da privataria tucana, cujo
nome já apareceu como um dos titulares das contas na Suíça, mas sequer foi
mencionado por qualquer grande veículo. Imagine se fosse um ex-assessor do
presidente Lula ou se fosse um militante petista qualquer. Com toda certeza a
grande mídia forjaria um escândalo de proporções gigantescas.
No âmbito da sociedade, vemos nas redes
sociais um silêncio muito grande dos setores que historicamente criticam o
Bolsa Família e as políticas sociais dos governos petistas, que são os mesmos
setores que costumam usar a máxima “bandido bom é bandido morto”, mas, pelo
jeito, não consideram criminosos aqueles que cometem práticas de evasão e
sonegação fiscal, exceto quanto se trata de um petista ou de alguém da esquerda
envolvido. A hipocrisia, o moralismo de ocasião e o casuísmo estão ficando
muito nítidos nesse caso.
Em outros países a cobertura
jornalística tem sido diferente?
Pimenta: Com certeza. Na Inglaterra, jornalistas
do The Daily Telegraph denunciaram a censura do jornal ao tema e um deles
[Peter Oborn] pediu demissão em razão disso. Na França e no restante da Europa,
assim como nos Estados Unidos e mesmo na nossa vizinha Argentina**, a cobertura
tem sido ampla e honesta com a sociedade.
No Brasil parece que a liberdade de
empresa prevalece sobre a liberdade de imprensa e sobre a liberdade de
expressão dos profissionais. Aqui, o que a mídia vai tentar é criar uma cortina
de fumaça sobre o tema e desviar o foco do debate do que realmente
interessa. Felizmente, a blogosfera progressista está fazendo um trabalho
coletivo de apuração que pode contribuir muito para a compreensão do assunto.
Esse caso fortalece a proposta de
taxação dos mais ricos?
Pimenta: Sem dúvida que esse debate ganha força.
A taxação das grandes fortunas e das heranças é uma proposta defendida há
décadas pelo PT no Congresso, existem inúmeros projetos de lei a respeito
disso, mas não conseguem avançar nem um milímetro por conta da hegemonia
conservadora na sociedade e no Parlamento.
Por outro lado, essa é uma questão que
está na agenda do dia em todo o mundo: nos Estados Unidos o presidente Obama já
anunciou disposição em promover; na França e em outros países europeus já se
pratica ou devem aumentar a taxação, e o economista Thomas Piketty [autor do
celebrado livro “O capital no século XXI”] já afirmou com todas as letras que –
na situação atual do mundo, com a concentração de renda e patrimônio em níveis
insustentáveis – é “loucura” não discutir a taxação dos mais ricos.
*O Grupo Clarín, com mais de 100
milhões de dólares depositados em duas contas no HSBC da Suíça, lidera a lista
de clientes argentinos com fundos em Genebra não declarados à Administración
Federal de Ingresos Públicos (AFIP), órgão equivalente à Receita Federal do
Brasil. Fonte:
**O jornal argentino La Nación publicou
no último dia 17/03, uma reportagem detalhada sobre o modo como o HSBC operava.
De acordo com o diário, o banco oferecia “um amplo cardápio” para seus clientes
que quisessem abrir contas na Suíça. Confira a matéria:
Texto: Rogério Tomaz Jr.
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