A inconstitucionalidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, foi o maior debate travado durante o processo de aprovação da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, na última terça-feira dia 31/03.
Enquanto
os parlamentares contrários à PEC argumentam que o artigo 228 da Constituição, que
estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18 anos, é cláusula
pétrea, deputados favoráveis à medida tentam rebater essa ideia.
Na
avaliação do jurista Dalmo Dallari, um dos mais respeitados do país, a proposta
fere os princípios constitucionais. “Não há nenhuma dúvida de que [a inimputabilidade penal de
menores de 18 anos] é
um direito fundamental, expressamente consagrado na Constituição, e pronto.
Então, dentro dessa perspectiva, [o artigo 228] é
cláusula pétrea”, interpreta.
O
professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo explica
porque não apoia a matéria, que agora tramitará em comissão especial.
“A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente
prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a
ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”, pontua.
Confia
a seguir a íntegra da entrevista com Dallari sobre a questão.
Fórum – A inimputabilidade penal dos menores
de 18 anos pode ser considerada um “direito e garantia individual”, como define
o artigo 60 (parágrafo
4º, inciso IV) da Constituição Federal?
Dalmo Dallari – Sem dúvida alguma. É uma garantia das pessoas que têm essa idade, é um direito
fundamental do menor de 18 anos, que é impresso na Constituição.
Fórum - Na sua interpretação, portanto, o
artigo 228 é uma cláusula pétrea?
Dallari - Uma coisa importante que é preciso levar em
conta é que o mesmo dispositivo constitucional que assegura esse direito
fundamental prevê a hipótese, a possibilidade, de uma regulamentação especial
para pessoas dessa idade. Elas não ficam totalmente livres de qualquer espécie
de regulamentação. Não há nenhuma dúvida de que é um direito fundamental,
expressamente consagrado na Constituição, e pronto. Então, dentro dessa
perspectiva, é cláusula pétrea. Isso faz parte da essência da Constituição.
Fórum - Nesse sentido, o
senhor considera, então, que a PEC 171/93 é inconstitucional?
Dallari - Ao meu ver, ela é inconstitucional,
porque afeta uma cláusula pétrea, uma norma constitucional, que proclama e
garante direitos fundamentais da pessoa humana. Isso não pode ser objeto de uma
simples mudança por emenda constitucional.
Fórum - Os deputados contrários à
aprovação da PEC 171/93 já anunciaram que entrarão com um mandado de segurança
no STF para travar a etapa final da tramitação na Câmara. O senhor dará um
parecer para a medida? Acha que isso é o mais sensato a se fazer?
Dallari – Não fui procurado. Possivelmente, farão isso
com base em coisas que já publiquei, em entrevistas, conhecendo a minha posição
que é essencialmente jurídica – esse é um aspecto que faço sempre questão de
acentuar. Não tenho nenhuma vinculação, e nunca tive, a nenhum dos partidos
políticos existentes no Brasil. Faço isso exatamente para preservar a minha
independência como jurista. O meu enfoque é essencialmente, exclusivamente
jurídico, e desse ponto de vista tenho defendido o respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana, consagrados na Constituição. Um dos direitos é
esse de não ser penalizado se não tiver idade superior a 18 anos.
Fórum – Por que, na avaliação do senhor, a redução da maioridade
penal não é a solução para o problema da criminalidade no Brasil? Quais as
consequências que pode acarretar, caso aprovada?
Dallari - Acho que está havendo uma certa exploração de
um sentimento popular, exploração que até certo ponto é lamentável, porque
estão se valendo de um sentimento de insegurança de grande parte da população
para adotar ou propor uma providência que essencialmente é maléfica para todo o
povo, para a sociedade. E é maléfica por um ponto, por um aspecto que é
fundamental: o menor de 18 anos condenado criminalmente será obrigado a
conviver em um presídio superlotado com criminosos tradicionais, organizados,
poderosos. Fatalmente, esse menino de 16 anos acabará sendo coagido a integrar
uma quadrilha. Por isso, a proposta, além de não ser constitucionalmente
aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar
meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos.
Fórum – Na avaliação do senhor, então, essa
definitivamente não é a melhor alternativa para sanar as questões de segurança
publica do país…
Dallari – Não, de maneira alguma. Além de não ser uma
solução, é um prejuízo. Porque fatalmente esses menores acabarão sendo
envolvidos, coagidos, para integrarem uma quadrilha. Em lugar da possibilidade
de integração, de recuperação social que está prevista na legislação para o
menor que tem desvio de conduta, haverá quase que uma entrega desses menores a
grupos criminosos.
Eu estive na França, tenho atividades lá, dou
aulas. Precisamente neste momento, está sendo preparada na França uma medida
que visa à integração social dos menores de 18 anos. O que se está prevendo – e
achei muito bom, pretendo divulgar no Brasil – é que se estabeleça um programa
de atividade social para os menores. E eles, sob orientação de professores,
conselheiros, participem da realização de trabalhos de natureza social. É uma
forma de integração social dos menores dando a eles a consciência de seus
direitos e também de suas responsabilidades de cidadão. Acho que isso sim
deveria ser pensado no Brasil: a adoção de medidas que façam com que o menores
participem ativamente da busca de soluções para banalização e injustiça social.
Aí sim eles estarão plenamente integrados com muito menor risco de se
degenerarem e irem para a criminalidade.
Já tenho até um pequeno livro em que falo
sobre a instrução à cidadania, em que aconselho que desde o curso primário seja
criada uma disciplina que poderia se chamar “Preparação para a Cidadania” ou
“Educação para a Cidadania”, dando às crianças a consciência de sua
responsabilidade social. Acho que é esse o caminho.
Fórum – Além da PEC 171/93, há outros projetos
em tramitação que pretendem reduzir a maioridade penal. O senhor considera que
há um surto de punitivismo no Congresso Nacional?
Dallari – Acho que existe na
Congresso Nacional uma parte de parlamentares que não tem exatamente o melhor
preparo, que tem uma visão distorcida das relações sociais, do equilíbrio
social, da manutenção de normas de convivência. Infelizmente, são parlamentares
que só acreditam na disciplina através da imposição, da coação. Não pensam na
hipótese da disciplina social através da educação, da preparação para a
cidadania. Realmente é um despreparo de uma parte dos parlamentares.
Texto: Anna Beatriz Anjos
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