Protestos mobilizaram mais de 300 mil no Rio na
quinta-feira
A recente onda de manifestações que varre o Brasil de Norte a
Sul surpreendeu muitas pessoas, que assistiram atônitas à forma como um
movimento que começou pequeno, contra o aumento da tarifa de transporte público,
agora abraça outras causas e conseguiu mobilizar mais de um milhão de pessoas em
cem cidades na quinta-feira.
Apesar de surpreender, as manifestações brasileiras seguem tendências que vem
se repetindo em outros países.
Para investigar de que forma os atuais protestos se parecem com os ocorridos
no exterior nos últimos cinco anos, a BBC Brasil ouviu jornalistas que trabalham
no Serviço Mundial da BBC.
Eles falaram sobre as mobilizações que sacudiram cada um de seus países - o
Irã, em 2009, o Egito, em 2011, a Espanha, também em 2011, e a Turquia, nas
últimas semanas.
Apesar de terem motivações diferentes, esses protestos têm em comum o fato de
terem sido organizados e promovidos nas mídias sociais, como as manifestações no
Brasil.
Além disso, há outras semelhanças: na Turquia, por exemplo, os protestos
também não têm uma liderança clara, enquanto que, na Espanha, os líderes das
manifestações não tinham clara vinculação partidária.
Confira abaixo os perfis dos protestos.
Destruição de parque em Istambul foi o estopim dos
protestos
Mahmut Hamsici
Do serviço turco da BBC
Estopim
O movimento começou pequeno, contra a demolição do Parque Gezi, uma das
poucas áreas verdes de Istambul, localizado na praça Taksim, no centro da
cidade. Começou pacífico, mas rapidamente se espalhou pelo país e se tornou um
movimento contra o governo quando a polícia respondeu com violência, usando
canhões d'água e bombas de gás lacrimogêneo. Os manifestantes se revoltaram
contra o uso da força e acusaram o governo de autoritarismo.
Qual foi o papel das mídias sociais?
O uso extensivo das mídias sociais foi sem precedentes e desempenhou um papel
crucial, servindo de canal para divulgar as manifestações. Como os principais
meios de comunicação não cobriram os protestos, a internet foi a forma
encontrada para divulgar informações e fotos das mobilizações. O
primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, criticou o uso das mídias sociais
e descreveu o Twitter como "encrenqueiro" por causa de seu uso durante os
protestos. Alguns usuários de twitter foram detidos.
Liderança
Uma das principais características do movimento foi a falta de liderança ou
de um único grupo por trás dele. Com a disseminação dos protestos, vários grupos
políticos se uniram, como grupos políticos de esquerda, secularistas, fãs de
futebol, feministas.
Reivindicações
A organização Solidariedade Taksim, que acabou abraçando as reivindicações
dos manifestantes, reivindicava que o parque Gezi não fosse destruído para dar
lugar a um centro comercial. Ela também defendia a renúncia de autoridades e
policiais que reprimiram os protestos com violência e pedia a libertação de
manifestantes presos. Defendia, também, o direito de protestar.
Legado
Até agora a conquista mais visível para os manifestantes foi a promessa, por
parte do governo, de interromper os planos de destruir o Parque Gezi. O governo
vai realizar um referendo sobre o tema. Os manifestantes também acham que
conseguiram mostrar ao governo que as pessoas estão preocupadas com sua forma
autoritária de governar. Eles também acham que conseguiram prejudicar a
reputação internacional de Erdogan, da polícia e da mídia turca, acusada de
temer o governo.
Insatisfação com regime de Mubarak levou milhares às ruas do
Cairo
Mohammed Abdul Qader
Do serviço árabe da BBC
Estopim
O movimento no Egito começou inspirado na revolta na Tunísia, que semanas
antes tinha conseguido derrubar o governo do ex-presidente Zine El Abidine Ben
Ali. O governo do então presidente egípcio Hosni Mubarak estava com a imagem
desgastada, a economia ia mal, o desemprego era grande e o custo de vida era
muito alto.
Qual foi o papel das mídias sociais?
As redes sociais foram a essência do movimento que acabou derrubando Mubarak.
O movimento Nós somos todos Khalid Saeed deu início à mobilização por meio de
uma página no Facebook, que ganhou esse nome em homenagem a Khalid Saeed, que
foi torturado e morto pela polícia em junho de 2010. Os protestos foram
organizados pela internet, que também serviu de canal de transmissão de vídeos e
fotos sobre os protestos.
Liderança
Os primeiros protestos foram organizados pelo movimento Nós somos todos
Khalid Saeed, mas à medida que ganhavam adeptos, outros grupos da oposição,
principalmente a Irmandade Muçulmana, se apropriaram das reivindicações e
assumiram a liderança das reivindicações.
Reivindicações
Em 2011, Mubarak já estava havia 29 anos no poder. O Estado era acusado de
autoritarismo, corrupção, e as pessoas vinham sua situação econômica deteriorar
a cada dia, com inflação alta e desemprego. No início, as principais
reivindicações eram por melhorias de vida e mais justiça social e liberdade de
expressão, mas rapidamente se voltaram diretamente contra o presidente depois da
violência com a qual o governo respondeu às manifestações.
E como foi essa reação do governo e da polícia?
A reação não poderia ter sido mais violenta. Centenas de pessoas morreram e
muitas outras ainda estão desaparecidas.
Conquistas
Mubarak acabou sendo forçado a renunciar à Presidência e, em junho de 2012, o
candidato da Irmandade Muçulmana, Mohammed Morsi, foi eleito presidente. Apesar
de no início ter representado uma esperança para os egípcios, Morsi agora é
acusado de querer concentrar poderes e de ter traído os principais objetivos da
revolução: "pão, liberdade e justiça social". Muitos pedem sua renúncia e a
transição para um governo de coalizão, uma proposta rejeitada pela Irmandade
Muçulmana.
Insatisfação com condições econômicas mobilizou
espanhóis
Pablo Esparza
Da BBC Mundo
,
Estopim
O movimento 15M ou "os indignados" ganhou esse nome por causa do primeiro dia
em que os manifestantes saíram às ruas, 15 de maio de 2011. Nenhum incidente
concreto desencadeou os protestos, mas as manifestações ocorreram em um contexto
de crescente descontentamento popular. Na época, a Espanha enfrentava uma taxa
de mais de 20% de desemprego (hoje ultrapassa os 25%) e políticas de
austeridade. Além disso, o uso de recursos públicos para resgatar bancos também
causava insatisfação.
Papel das mídias sociais
Foi essencial. A iniciativa de organização dos protestos surgiu na internet,
que também serviu para propagar o movimento. Depois o movimento montou
escritórios, mas nasceu e se desenvolveu na internet.
Lideranças
O grupo envolvido no início dos protestos foi o Democracia Real Já, que se
apresentava como uma organização apartidária e também desligada de sindicatos.
Em poucos dias, o grupo angariou o apoio de centenas de organizações sociais
variadas. Os organizadores não se definiam ideologicamente como de esquerda ou
de direita e não se vincularam a nenhum partido. Foi um movimiento amplo que
canalizou o descontentamento social em muitas áreas. Ao se apresentar como
apartidário e sem ideologia clara, conseguiram amplo apoio transversal em seus
primeiros passos.
Reivindicações
Como era muito heterogêneo, foi difícil para o 15M articular demandas
concretas que unissem seus participantes. As reivindicações básicas tinham a ver
com a defesa dos direitos sociais (habitação, saúde, educação) e ao que chamavam
de "regeneração do sistema democrático". Uma das principais reivindicações era a
reforma eleitoral, já que, segundo o movimento, o sistema eleitoral espanhol é
pouco representativo e favorece o bipartidarismo. As reivindicações também eram
de cunho econômico e defendiam mais apoio aos que perderam suas casas por causa
da crise do mercado imobiliário. Eles também queriam mais transparência no
governo.
Qual foi a reação da polícia
Nos primeiros dias de protestos, o governo reagiu com cautela, mas à medida
que os acampamentos se espalhavam, a policía começou a forçar a retirada dos
manifestantes. Durantes esses episódios, houve confrontos entre policiais e
manifestantes que resultaram em dezenas de feridos. Como reação, o resto da
Espanha convocou mobilizações de apoio. Mais recentemente, em fevereiro de 2012,
estudantes foram às ruas em Valência contra medidas de austeridade. A policía
reagiu com força.
Legado
O movimento 15M continua dois anos depois. É difícil dizer qual foi seu
legado concreto. Por um lado, mobilizou a sociedade e fez com que as pessoas se
conscientizassem sobre a existência de vias de protesto. Ele também colocou na
agenda da mídia e política questões como o problema dos despejados na crise
imobiliária, a reforma eleitoral, a transparência política e a luta contra a
corrupção. De um ponto de vista mais concreto, por exemplo, o movimento
conseguiu mudanças na lei que regulamenta o mercado imobiliário. E, a nível
internacional, o movimento dos indignados foi exportado para outros países, como
Portugal e Grécia.
Manifestantes foram às ruas após denúncias de fraudes
eleitorais
Rana Rahimpour
Do serviço persa da BBC
Estopim
O Movimento Verde nasceu no Irã em 2009, depois de acusações de que as
eleições presidenciais que reelegeram o presidente Mahmoud Ahmadinejad foram
fraudulentas.
Papel das mídias sociais
As mídias sociais foram vitais para o movimento. Na época, o twitter adiou
seu programa de manutenção para que os iranianos pudessem se comunicar. As
manifestações foram organizadas via twitter e Facebook, que também serviram de
canal de divulgação para fotos e vídeos sobre as mobilizações.
Liderança
Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karoubi, candidatos derrotados na eleição,
lideraram o movimento. Eles se uniram aos manifestantes um dia depois das
eleições.
Reivindicações
O principal slogan dos manifestantes era "Aonde está o meu voto?", em que
pediam o cancelamento das eleições. E, à medida que a resposta do governo
endurecia, suas demandas se radicalizavam, até chegar ao ponto em que as pessoas
começaram a pedir o fim do regime islâmico no país.
Como foi a reação do governo e da polícia?
Os protestos foram combatidos com violência, centenas de pessoas foram
presas, dezenas morreram e líderes da oposição ficaram sob prisão domiciliar.
Alguns estão presos até hoje, e suas reivindicações nunca foram atendidas.
Conquistas
A eleição nunca foi anulada, mas ficou claro que a oposição tinha uma voz no
país. Alguns analistas dizem que a vitória de Hassah Rohani, um clérigo moderado
que conta com o apoio da oposição, na eleição de 14 de junho, é o resultado do
que aconteceu em 2009. Depois da vitória de Rohani, milhares foram às ruas e
cantaram "O movimento verde está vivo".
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