domingo, 8 de dezembro de 2013

OS EUROPEUS E SUA INTERFERÊNCIA NO CONTINENTE AFRICANO

Situado na rota comercial para as Índias, o sul da África foi colonizado por holandeses, aos quais vieram se juntar flamengos, alemães e franceses. Foram eles que, a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, haviam montado um posto de abastecimento para suas fragatas, em meados do século xvii, e deram origem aos africâneres, chamados pejorativamente de bôeres. Desde o seu estabelecimento na região, travaram inúmeras disputas com os nativos por terra e gado. Ainda que os africâneres tivessem se apropriado de boa parte do território, as tribos nativas permaneceram independentes. Os escravos vinham da Indonésia, colônia holandesa.

Em 1860, no quadro das disputas imperialistas europeias, os ingleses desembarcaram com artilharia pesada, canhões e soldados para dominar o sul da África. Entraram em conflito com os africâneres e os nativos. Os xhosas resistiram por mais de dez anos e os zulus, em uma batalha sangrenta, chegaram a vencer os britânicos. Vinte anos depois, foram definitivamente derrotados. Os ingleses trouxeram escravos da Índia.

Nessa época, um jovem brincava no jardim de sua casa quando achou uma pedra enorme e brilhante. Era um diamante de quase 22 quilates. No ano seguinte, um pastor encontrou um de 87 quilates. O feito provocou uma migração em massa. Em menos de dois anos, mais de 50 mil pessoas chegaram à região.

Foi quando três ingleses - Cecil Rhodes, Charles Rudd e Barney Barnato - se embrenharam na exploração de minas de pedras preciosas. Começaram alugando bombas de água para os escavadores, e pouco a pouco foram adquirindo pequenas cotas nos lucros. Assim nasceu a De Beers, hoje sob o comando do grupo Oppenheimer, que há quase 130 anos domina o mercado mundial de diamantes.

Com o território dominado, africâneres e britânicos se entenderam e proclamaram a União Sul-Africana. Foram promulgadas as primeiras leis de segregação racial, como o passaporte que restringia o ir e vir dos negros e os proibia de comprar terras fora das reservas tribais. Mas foi só no final da década de 1940, quando o Partido Nacional ganhou as eleições, que se montou o regime do apartheid, da separação racial. O casamento inter-racial virou crime. As escolas e bairros foram divididos. Os negros perderam o direito de votar, ter propriedades e de frequentar praias, piscinas, cinemas e hospitais destinados aos brancos. O Partido Nacional criou também os bantustões - dez nações tribais pretensamente autônomas, instaladas em áreas descontínuas correspondentes a apenas 13% do território nacional.

No livro The Afrikaners: Biography of a People [Os Africâneres: Biografia de um Povo], o historiador Hermann Giliomee coloca a seguinte questão: como um povo educado no Iluminismo e na piedade cristã edificou uma nação com base na exploração racial? A resposta, diz ele, seria a vontade dos africâneres em preservar a identidade. Nas colônias que se tornaram independentes a partir do século xix, os europeus derrotados desenvolveram três estratégias: voltaram às metrópoles, se acomodaram ao novo poder ou então continuaram mandando, por meio dos governantes em exercício. Na África do Sul, os africâneres foram minoria populacional e classe dominante por quase 350 anos. Não se consideravam um poder exterior porque não tinham para onde retornar. A integração racial, no seu modo de ver, significava suicídio.

A África do Sul lembra o Brasil. Joanesburgo é uma metrópole parecida com São Paulo. Pretória é um centro governamental como Brasília. E a Cidade do Cabo, com suas montanhas à beira-mar evoca imediatamente o Rio. Aqui, 50% da população é composta por negros e pardos, que engrossam a base da pirâmide social, em oposição aos brancos que dominam o topo. A semelhança entre os povos também é grande.

Como a maioria dos brasileiros, os sul-africanos são expansivos, alegres e falam alto.

Há detalhes diferentes. Nas áreas ricas das grandes cidades sul-africanas as ruas são mais limpas que as do Leblon ou dos Jardins, é raro ver pichação em muros, os prédios são bem conservados, a frota de transporte público parece nova. E há disparidades significativas: não há no Brasil um restaurante como o 8@The Towers, no bairro de Sandton. Ele é um ponto de encontro dos diamantes negros de Joanesburgo.

Da varanda do restaurante, via-se a frota dos clientes: um Hummer, três bmw e dois Jaguar. Na parede principal, lia-se "Veuve Clicquot" em letras garrafais. Os garçons, assim como 90% dos frequentadores, eram negros e tinham a cabeça raspada. Os fregueses estavam de terno escuro com gravata rosa ou vinho. As mulheres usavam saltos altíssimos, perucas de cabelos lisos e vestidos curtos, colados em corpos torneados a alface e malhação.

Sentados em um sofá baixo, um casal pediu a segunda garrafa de Dom Pérignon. Aos 25 anos, Lungu (que não quis dizer o sobrenome) disse ser montador de filmes para a televisão. A moça, praticamente deitada em seu colo, também não quis se identificar, mas informou ser uma "modelo muito famosa". Novelas e seriados das emissoras de tevê retratam os novos ricos como hedonistas profissionais. Eles sempre aparecem bebendo uísque doze anos ou conhaque, usando grifes de luxo, jogando golfe ou dirigindo carrões importados. Quase nenhum trabalha.

Lungu contou que seu tio havia sido guarda-costas de um "importante membro do cna" e que a família havia entrado no ramo de exportação depois do fim do apartheid. Durante o regime viviam em Soweto, a cidade negra no subúrbio de Joanesburgo, onde seu pai trabalhava como motorista e a mãe era dona de casa.

"Essa insistência de ficar falando em problemas de raça na África do Sul é coisa dos brancos", disse Lungu enquanto a modelo se servia de mais um pouco de champanhe. "Isso é um problema que ficou para trás. Eu não tenho problema algum com raça. Os brancos é que têm." Em cima da mesa, um jornal estava aberto na página de uma notícia impensável até pouco tempo atrás: a foto de uma trombada entre uma Ferrari e um Lamborghini, cujos donos, e não os motoristas, eram negros.

Havia apenas duas mesas ocupadas no 8@The Towers por brancos e nenhuma com brancos e negros. Na maioria dos restaurantes ainda é assim. A não ser que o encontro seja uma reunião de trabalho, negros e brancos frequentam o mesmo espaço, mas não se misturam. Casais multirraciais são raríssimos. Em vinte dias, vi dois. Em um deles, a moça era australiana.

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