sexta-feira, 20 de setembro de 2013

NA BUSCA DA RENTABILIDADE MELHOR, DECISÃO DO FED "EMPURRA" DINHEIRO FLUTUANTE AOS EMERGENTES, BRASIL NO MEIO. PRECISANDO MELHORAR SUA LOGÍSTICA, BRASIL ESTARÁ NA MIRA DESSES CAPITAIS.

Decisão do Fed reabre ‘janela de oportunidade’ ao Brasil

Ao manter o estímulo à economia e os juros perto de zero, banco central dos EUA retira da cabeça dos países emergentes a espada da redução da liquidez, e o dinheiro estrangeiro tende a “voar de volta” a esses páises

Brasil Econômico- Léa de Luca |
 
Brasil Econômico
A decisão tomada ontem pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de manter o programa de compra de títulos e as taxas de juros limitadas a 0,25% para estimular a economia norte-americana surpreendeu a maior parte dos mercados no mundo. A medida foi comemorada especialmente pelos países emergentes, que vinham sofrendo com a saída de recursos estrangeiros.
Alex Brandon/AP
Ben Bernanke, presidente do Fed, adiou o começo do fim do QE
Jim O’Neill, criador do termo BRICs (para os países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China) considerou a notícia positiva para esses países, ao menos, no curto prazo. “Vai ajudar muito os mercados emergentes”, disse ao Brasil Econômico o executivo, que até abril era presidente da gestora de recursos do Goldman Sachs. “No curto prazo, certamente o dinheiro de investidores estrangeiros vai voar de volta ao Brasil.” O’Neill era um dos poucos especialistas que não estavam preocupados com a retirada dos estímulos por parte do Fed. “Uma hora, isso vai acontecer. Os mercados se preocupam demais com tudo”, disse.
Para o fundador da Integral Investimentos e da Integral Trust Serviços, Carlos Fagundes, a decisão de adiar o desmonte do programa de estímulos abre uma janela de oportunidade para o Brasil. O executivo, pioneiro em trazer para o país o mercado de fundos de recebíveis, participou ontem de uma assembleia de acionistas que deu aval para a constituição de um novo fundo, para captar R$ 1,2 bilhão. Fagundes não pode ainda dar detalhes, mas demonstrou otimismo: “Com a notícia, vai ficar mais fácil conseguir o dinheiro dos investidores”, acredita. “No nosso negócio, estamos sempre olhando para taxas de juros de longo prazo, e um arrefecimento é muito positivo”, diz. Após o anúncio do Fed, o rendimento do título do Tesouro americano com vencimento em dez anos caiu 10 pontos-base, para 2,75%. O rendimento já esteve em 1,6%.
“Os mercados emergentes vão ficar na moda de novo - até a próxima reunião do Fed”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia (EUA) e professor do Ibmec.
A primeira reação dos mercados ontem já demonstrou o entusiasmo de investidores: enquanto a bolsa subiu, os juros futuros e o dólar caíam. O Fed vinha comprando US$ 85 bilhões em títulos do Tesouro e em hipotecas dos bancos americanos para injetar recursos e movimentar a economia após a crise de 2008.
Quando o presidente do Fed, Ben Bernanke, sinalizou pela primeira vez que iria começar a desmontar o programa, em 19 de maio, os mercados globais, principalmente emergentes, começaram a ajustar os juros, ações e moedas às possíveis consequências desse desmonte, principalmente para os emergentes. Depois de meses de ajustes, havia um consenso de que Bernanke iria anunciar ontem o começo do fim. A expectativa girava em torno de um corte de US$ 20 bilhões e de um sinal sobre a alta dos juros, que estão no mesmo patamar há cinco anos.
Mas isso não aconteceu, entre outras coisas, porque o Fed considerou que o crescimento dos Estados Unidos ainda não estava consistente. Na minuta divulgada logo após a reunião, o Fed disse que o nível de desemprego ainda estava alto e que a ligeira melhora era mais devido a menos gente procurando emprego do que a mais gente empregada. Com a decisão de ontem, sai do radar do mercado a expectativa de que o Fed diminua os estímulos neste ano. A autoridade monetária condiciona a redução a uma taxa de desemprego menor que 6,5%; ao mesmo tempo, projetam esta taxa entre 7,1% e 7,3% em 2013.
“Por mais que a notícia seja positiva a curto prazo para os mercados emergentes, tem um lado negativo. O mercado é movido por fatos e boatos. A alta recente do dólar, por exemplo, foi baseada em muita fumaça e pouco fogo. Ao adiar a decisão, o Fed reabre espaço para especulação”, diz João Augusto de Castro Neves, analista sênior para a América Latina da consultoria Eurasia, em Nova York. Para ele, sem um fato concreto, o discurso de Bernanke ganha mais relevância.
Para Neves, porém, o cenário estrutural de longo prazo está dado: cedo ou tarde, o fim do programa de estímulo do Fed vai chegar. Nesse momento, diz, haverá um rebalanceamento do equilíbrio entre as economias emergentes — que foram o grande motor do crescimento global nos últimos anos — e as desenvolvidas. O excesso de liquidez camufla ineficiências, diz ele, e quando a maré baixar para os emergentes, a necessidade de reformas ficará mais evidente. "A questão é apenas quando o ciclo vai começar".
Troyjo também vê um alívio, um oxigênio sobre a ameaça que vinha impondo um sofrimento extra aos emergentes - o que ele chamou de “bomba de sucção de liquidez” provocada pelo desmonte do programa de estímulos do Fed. “O Brasil vai ganhar tempo e espaço de manobra para fazer os ajustes necessários e ficar menos dependente de capital externo”, diz. Para ele, o sentimento negativo em relação ao Brasil desde junho vinha sendo alimentado por três fatores: as manifestações e protestos nas ruas contra o governo; a dificuldade do governo para retomar o tripé macroeconômico câmbio flutuante + metas de inflação + superávit fiscal; e mudança no panorama internacional de liquidez, dado pelo anúncio do Fed de que o começo do desmonte do programa de estímulos estava próximo. Para ele, a substituição desse tripé por uma nova matriz econômica não está funcionando.
O ex-secretário do Tesouro e atual presidente da gestora de recursos do Bradesco, Joaquim Levy concorda. “Se o Brasil aproveitar o espaço para fazer todos os ajustes que precisa, terá ganhado tempo para continuar desenvolvendo as concessões, atraindo mais investimento”, diz.
“Havia uma expectativa de redução simbólica para que o mercado já fosse se acostumando, no entanto, a manutenção é embasada em justificativas consistentes. Realmente, os últimos dados sinalizaram uma piora em vários setores e nas condições financeiras por causa dessa expectativa de diminuição”, diz Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria.
Para Tarcísio Souza Santos, diretor da faculdade de administração da Faap, a decisão de manutenção foi tomada após a percepção do erro gerado pelos boatos de que o Fed poderia iniciar a redução neste mês. “Depois destes boatos a moeda americana disparou ao redor do mundo, prejudicando a competitividade do país, essencial para a retomada da economia americana”. Para Troyjo, estamos vivendo uma distorção: “Estamos comemorando a fraqueza da economia americana. Hoje, não são mais as relações comerciais que importam, mas o mundo financeiro”, lamenta.

Colaboraram Niviane Magalhães, Priscila Arroyo e Renata Batista

     
       

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