segunda-feira, 26 de agosto de 2013

BELÍSSIMA VITÓRIA DA MEDICINA BRASILEIRA. LIDANDO COM UM CASO DE DOENÇA RARA, FORAM SOMADOS OS CONHECIMENTOS E OS ESFORÇOS DE PROFISSIONAIS DE VÁRIAS ÁREAS COM A FINALIDADE ÚNICA DE PROPORCIONAR VIDA PLENA A UMA CRIANÇA, HOJE JÁ ADULTA COM 23 ANOS. AURISTELA É UM EXEMPLO DE SUPERAÇÃO DA ADVERSIDADE. A MÃE DE AURISTELA TEVE PAPEL FUNDAMENTAL NESSA EPOPÉIA. PONTO PARA A MEDICINA BRASILEIRA.

Brasiliense que nasceu sem língua recupera fala com tratamento inédito

Depois de 18 anos de tratamento, Auristela ganhou um rosto mais bonito e uma vida normal. A estudante de enfermagem se considera uma vitoriosa

Priscilla Borges, iG Brasília |

Alan Sampaio / iG Brasília
Auristela: tratamento inédito garantiu à jovem um rosto mais harmônico e uma vida normal

Auristela Viana da Silva tem apenas 23 anos, mas uma história repleta de pequenas vitórias, grandes feitos e superações. A estudante de enfermagem é uma sobrevivente. Ela nasceu sem língua por conta de uma doença rara, chamada aglossia congênita isolada. A expectativa de vida dos portadores do problema é de três dias de vida.

Há apenas três casos registrados da enfermidade no mundo. Os outros dois foram registrados nos Estados Unidos, mas receberam tratamentos diferentes dos de Auristela. Frederico Salles, cirurgião-dentista especialista em intervenções maxilares e faciais, recebeu Auristela no consultório com um diagnóstico errado. Ela tinha cinco anos.
Para os médicos que a atenderam ainda bebê, ela não mamava por conta de uma síndrome, chamada de Pierre Robin, que provoca deformação facial e impede a criança de deglutir.
“Ela sobreviveu por conta do instinto da mãe, que adaptou um bico de mamadeira para fazer o leite chegar à garganta”, conta Salles.

Tratamento inédito
Quando a dificuldade de falar e engolir ganhou diagnóstico e nome corretos, Salles juntou uma equipe multidisciplinar para estudar e monitorar o caso. O grupo, que inclui dentistas, psicóloga, nutricionista e fonoaudióloga, juntou também instituições de Brasília para criar alternativas que garantissem qualidade de vida à criança.
Depois de duas cirurgias para alterar a forma da mandíbula, cujo formato foi apelidado por Salles de “bico de pássaro”, a equipe conseguiu uma expansão maxilar de 20 milímetros. Todo o tratamento foi custeado com doações e pensado exclusivamente para Auristela.
“Não existia tratamento proposto como esse”, conta Jorge Faber, professor de Ortodontia da UnB e ex-aluno de Frederico Salles.

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Faber é responsável pelo acompanhamento ortodôntico de Auristela, que terá de usar um aparelho de contenção o resto da vida. A ideia é não permitir que os dentes dela voltem a tentar se unir no centro da boca, por causa da ausência da língua.
Para Salles, o trabalho feito pela psicóloga Elizabeth Queiroz e pela fonoaudióloga Maria Lúcia Torres, do Núcleo de Estudos em Educação e Promoção da Saúde da UnB foi fundamental para trabalhar a autoestima e ajudar Auristela a se comunicar com o mundo.
A fonoaudióloga ensinou Auristela a usar outros músculos da face para ajudá-la a pronunciar os fonemas (especialmente os que exigem o uso da língua) e a mastigar e engolir da melhor forma. O resultado é impressionante.
“Todo esse sucesso foi possível porque a equipe interagiu muito bem esses anos todos. Ninguém trabalhou por dinheiro ou resultado científico”, reflete Salles.

A professora de Nutrição da Universidade Católica de Brasília Patrícia Bezerra também integra o grupo. Além de testar a capacidade da jovem em identificar sabores salgados, azedos, amargos e doces (esse é o único que ela tem dificuldade), ela acompanha o quadro nutricional da estudante, que hoje é considerado saudável.

Futuro
O caso de Auristela foi transformado em estudo e dará origem a um protocolo de tratamento para as sequelas da aglossia congênita. Salles já apresentou os resultados do estudo em diversos países e, na tarde desta segunda-feira (14), em um simpósio na UnB.
O encontro foi marcado pela apresentação de outro dos três casos da doença tratados no mundo, o da americana Kelly Rogers. Hoje mestre e PHD em Fonoaudiologia, Kelly superou a ausência da língua para ter uma vida normal, mas recebeu tratamento diferenciado.
Kelly não foi submetida à cirurgia do maxilar e aprendeu a conviver com a deformidade maxilar. Hoje, ela pesquisa o tema.
Auristela, por sua vez, contou aos participantes que nunca reclamou da vida, nem se sentiu triste apesar do tratamento desgastante. “Tudo melhorou minha vida”, contou a jovem, que sonha em casar e ter filhos.
Para a mãe, Adriana Viana, que é dona de casa, a filha é um exemplo de superação.
“O tratamento foi maravilhoso, tenho muito orgulho e felicidade em vê-la assim”, diz.

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