quinta-feira, 1 de agosto de 2013

MÉDICA BRASILEIRA EM ATIVIDADES RADICAIS

Bela como uma modelo, médica e atleta: a brasileira mais jovem a subir o Everest

Karina Oliani, 31 anos, segue firme nos planos de ser a primeira alpinista do Brasil a completar os Seven Summits. Ela contou ao iG do projeto de escalar a montanha mais alta de cada continente, das dificuldades no Himalaia e da experiência de subir o Everest

Brunno Kono| iG São Paulo |
Karina Oliani e o sherpa Pemba no topo da montanha mais alta do planeta. Foto: Arquivo pessoalKarina é a primeira médica da América Latina especializada em medicina de emergência em áreas remotas. Foto: André GiorgiDa partida de São Paulo até o retorno, expedição rumo ao cume do Everest levou 55 dias. Foto: André GiorgiAlém de médica, ela tem carteirinha de mergulhadora e licença para pilotar helicópteros. Foto: André GiorgiKarina não admite ser bonita, mas revela que já foi pedida em casamento em uma expedição. Foto: André GiorgiAlgum desafio como o Everest? Passar em medicina, diz a médica brasileira. Foto: Arquivo pessoalEscalada no Everest exige um longo tempo de aclimatação. Foto: Arquivo pessoalApós o Everest, restam três montanhas para ela completar os Seven Summits. Foto: André GiorgiAinda na faculdade de medicina, Karina conciliou a agenda de estudante para apresentar um programa esportivo. Foto: André GiorgiAtaque ao cume do Everest foi marcado por algumas dificuldades, lembra a brasileira. Foto: André GiorgiKarina contabiliza cerca de 60 países visitados até o momento. Foto: André GiorgiAtaque ao cume foi atrasado em um dia, e isso quase acabou com a expedição. Foto: André GiorgiAventureira desde criança, Karina saltou de paraquedas pela primeira vez aos 12 anos. Foto: Arquivo pessoalAos 31 anos, a médica é a brasileira mais jovem a subir no topo do Everest. Foto: Arquivo pessoal
Karina Oliani e o sherpa Pemba no topo da montanha mais alta do planeta. Foto: Arquivo pessoal
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Junte a altura das sete montanhas mais altas de cada continente e a conta chega a mais de 43 mil metros. Muitos percorrem a distância equivalente à soma da base ao topo em maratonas pelo mundo – o trajeto de uma maratona é de 42,195 km –, mas poucos se atrevem a escalá-la. Até hoje, dois brasileiros completaram o percurso conhecido como Seven Summits: Waldemar Niclevicz, em 1997, e Manoel Morgado, em 2011.
 
 
Não há nenhuma brasileira na lista, mas uma médica de 31 anos - 19 deles dedicados a esportes radicais – tem o plano de mudar essa estatística.
Mergulhadora de carteirinha e com o primeiro salto de paraquedas registrado aos 12 anos de idade, Karina Olinani se tornou a mais jovem brasileira a chegar ao topo do Monte Everest no dia 17 de maio passado. Somando a conquista de escalar a montanha mais alta do planeta, com 8.848 metros de altura, a três anteriores - Kilimanjaro, na África, Aconcágua, na Argentina, e o Elbrus, na Rússia -, ela tem agora no currículo quatro cumes dos Seven Summits, restando três para entrar no “grupo dos sete”: Denali ou McKinley (América do Norte), Pirâmide Carstensz (Oceania) e Vinson Massif (Antártica).
UM SONHO QUE NASCEU NA BASE E CHEGOU AO TOPO
Foi no Everest, em 2010, que ela teve a ideia de fazer história. Atuando como médica de uma equipe norte-americana no acampamento base, conheceu Richard Bass, o Dick, que está na casa dos 80 anos e foi o primeiro alpinista a completar os sete cumes, e Karina ouviu suas histórias com grande interesse. “No final da viagem, ele me deu seu livro “Seven Summits” com uma dedicatória. Desejou que eu pudesse ser a primeira mulher do meu país a viver essa aventura e esperava ter me inspirado”, lembra ela. “Li o livro e decidi que queria fazer isso.”
Um desafio tão grande quanto o Everest? Passar em medicina foi muito difícil. Veja hoje quantos anos de cursinhos e tentativas são necessários.
O projeto de atingir os sete cumes começou “sem querer” em 2009, quando a brasileira escalou o Kilimanjaro, na África, durante as gravações de um programa de TV. “Pensei que um eu já tinha feito, faltavam os outros seis. Em 2011, fiz Aconcágua e o Elbrus, na Rússia, a última como médica de uma equipe”, lembra. A viagem para o Everest vinha sendo organizada desde o segundo semestre de 2010, mas a demora para que ela se concretizasse não foi culpa do ar rarefeito, da zona da morte ou do frio intenso do Himalaia. Faltava verba.
Uma expedição para o Everest, somando passagens, alimentação, hospedagem e a taxa obrigatória de US$ 10 mil para o governo do Nepal, custa cerca de US$ 60 mil por pessoa – a equipe da brasileira tinha quatro membros: ela, o câmera e dois sherpas.“Quando o pessoal me pergunta qual foi a coisa mais difícil da escalada, digo que foi fazer o projeto acontecer, conseguir parceiros e recursos financeiros. Demorou três anos. Estamos no país do futebol, então só tenho a agradecer a eles [os patrocinadores]”, desabafa a alpinista.
Arquivo pessoal
Treinos no Pico do Jaraguá ajudaram a brasileira
Enquanto buscava patrocínio, Karina investia em seu condicioinamento físico. Um ano antes de viajar para o Nepal, ela manteve uma rotina de seis dias de treino por semana – dois de corrida, dois de escada e dois de treinamento funcional. A seis meses da viagem, intensificou ainda mais. “A gente ia correr no Pico do Jaraguá, em São Paulo. Era uma corrida de morro acima, e fizemos em 30 minutos um trecho em que as pessoas demoram mais de duas horas. Aí percebi que estava pronta”, conta.
Contratos assinados com os patrocinadores e malas prontas, a brasileira pode enfim embarcar para a expedição de 55 dias. O início da viagem foi dedicado a resolver burocracias no Nepal, comprar equipamentos que não estão disponíveis no Brasil e, principalmente, se aclimatar à altitude. Mas, uma vez na montanha, nada mais “natural” do que passar por algumas situações tensas. A viagem foi toda documentada, e o material captado renderá um documentário de três episódios. Karina lista aqui os quatro piores momentos:
Por volta das 2h da manhã, vimos uma luz parada na rota. Pensei que um cara tinha morrido, a luz ficou acesa e teríamos problemas pela frente. Dito e feito.
 
1. Os cinco minutos mais longos
“Na Cascata de Gelo do Khumbu, uma das partes mais perigosas e técnicas da subida pela face sul, uma avalanche passou muito perto da nossa equipe. Olhamos para o lado e vimos que um bloco enorme de gelo tinha se desprendido. Eu e o Pemba, meu sherpa, estávamos mais para trás, mas o câmera e o sherpa dele falaram que passou a metros de onde estavam. Foi assustador de ver. Eles demoraram cinco minutos para responder pelo rádio, e nesses cinco minutos nós pensamos que tínhamos perdido dois amigos.”
 
2. Ventos de 100 km e temperatura de -40º C
“Nos planejamos para fazer o cume no dia 16, então chegamos ao acampamento 4 (a 7.920 metros de altitude, os alpinistas partem dali para o topo) no dia 15. Geralmente, as equipes chegam após o almoço e já à noite, umas 20h, 22h, fazem o ataque porque ninguém pode ficar muito tempo acima dos 8 mil metros. Só que quando chegamos, os ventos eram de mais de 100 km/h e a temperatura, de -40°C. Ninguém fez cume no dia 16 de maio deste ano. Fomos obrigados a dormir uma noite no acampamento 4, mas como tínhamos de carregar tudo que iríamos usar, as garrafas de oxigênio eram limitadas: cinco por pessoa. Se a gente usasse para dormir, talvez não tivesse o suficiente para a escalada. E aí foi um momento muito triste e emocionante. Todos que estavam comigo já haviam conquistado o Everest, eles [o câmera e o sherpa do câmera] viraram para mim e falaram: ‘Karina, é o seu sonho, a gente sabe o quanto você batalhou e que não tem oxigênio para todo mundo. Vamos descer e deixar [os nossos cilindros] para você’. Foi incrível da parte deles, mas também foi frustrante ter que nos separar, e ver que o câmera, para quem eu paguei uma fortuna, ia descer e não filmar no dia que teria as imagens mais espetaculares.”
André Giorgi
Tímida, Karina diz que "morreria de fome" se tivesse que trabalhar como modelo
3. No meio do caminho...
“Às 20h do dia 16, deixamos o acampamento 4 com água, comida e oxigênio. Por volta das 2h da manhã, vimos uma luz parada na rota. Pensei que um cara tinha morrido, sua luz ficou acesa e teríamos problemas pela frente. Dito e feito. Quando chegamos no cara, ele estava vivo, mas com muita dor nos olhos, ambos congelados. Falei para o Pemba (sherpa que a acompanhou) que se não levássemos aquele alpinista para baixo, ele morreria ali. O Pemba concordou, mas disse que seria o fim da expedição. Concordei. Vida em primeiro lugar. Tem horas em que existe algo mais importante do que aquilo porquê você lutou. Tentei me comunicar com o homem, mas ele não falava inglês, eu só entendia que a situação era grave. Foi quando outras luzes começaram a chegar. Era a equipe dele, e eles disseram que cuidariam. Foi aquele alívio. Ele tinha uma equipe e nós pudemos continuar a escalada.”
A maioria [das mortes] é por erro humano. É mais recorrente ver uma pessoa que não se prende direito na corda e cai, que estava fraca e não deveria continuar subindo. É negligência.
A situação descrita por Karina é uma grande polêmica entre os que escalam o Everest e os que acompanham de longe. Não é incomum um alpinista não dar ajudar a um colega em apuros a mais de 8 mil metros porque simplesmente não existe muito o que fazer. Situações assim acontecem, e um dos casos mais famosos, o de David Sharp, montanhista morto em 2006, chegou a ser documentado pelo canal Discovery Channel na série “Everest: Além do Limite”. Diversos escaladores passaram por Sharp, mas não houve resgate.
Para Karina, há um entendimento entre os escaladores de que todos estão sujeitos a precisar de ajuda ou a não prestar ajuda. “Você está entre a vida e a morte. Como uma pessoa de 60 kg vai carregar um homem de 90 kg a 8 mil metros, onde você mal consegue respirar? Quando você carrega alguém, o avanço demora três vezes mais. Se o oxigênio acabar, vão ser duas mortes, dois resgates. Achamos que poderíamos ajudar aquele homem, que valeria a pena”, afirma a brasileira. Ela não sabe se o alpinista resgatado sobreviveu ou se está entre as nove baixas desta temporada.
 
4. Um olho salvo por lambidas
“Continuamos a escalada, mas meu olho congelou meia hora depois. Um bloco de gelo se formou na minha luz, e quando ela apagou, coloquei os óculos na testa por uns 20, 30 minutos para enxergar. Foi o suficiente para o meu olho esquerdo congelar. Pedi ajuda do Pemba, ele começou a tentar raspar meu olho, só que isso não ajudou em nada porque começou a doer muito. Gritei para ele parar, ele ficou desesperado sem saber o que fazer. Então ele teve uma ideia: tirou a máscara de oxigênio e começou a lamber meu olho, soltando ar quente, por uns dois, três minutos. Consegui abrir o olho, mas ele estava tão machucado que minha visão estava embaçada. Coloquei os óculos de volta, não via as coisas direito, mas não os tirei por nada (risos).”
24 HORAS ESCALANDO SEM PARAR
“Umas 4h40 da manhã, o sol começou a nascer. Foi maravilhoso, foi quando eu me dei conta do quão alto era. Estávamos numa parede inclinada, de uns 60°, olhamos para baixo e as montanhas mais altas do mundo pareciam montinhos. Um absurdo. Às 7h38, nós chegamos ao cume. Ficamos 15 minutos lá, tiramos algumas fotos, filmamos e descemos. Como a gente ficou muito tempo acima dos 8 mil metros, fomos direto para o acampamento 2 (a 6.500 metros de altitude). Começamos a escalar às 20h do dia 16, terminamos às 20h30 do dia 17, mais de 24 horas escalando sem parar. Sem preparo, teria sido impossível. No dia seguinte, eu estava toda dolorida, nos braços, nas pernas. E cansada pra caramba.”
 
 
DINHEIRO NO BOLSO E LIXO PELO CAMINHO
Uma das maiores críticas em relação ao número de alpinistas no Everest – ele costuma passar dos 300 durante a temporada – é a poluição deixada por eles. Dois anos atrás, uma campanha liderada pela organização Saving Mount Everest retirou mais de oito toneladas de lixo da montanha. “Isso não tinha que ser feito uma, duas vezes, tinha que ser feito todos os anos. O governo de lá é bem corrupto, pega o dinheiro e coloca no bolso”, diz Karina. Ela lembra que cada alpinista paga US$ 10 mil ao governo nepalês para escalar a montanha mais alta do mundo e fala que há boatos de que o país pensa em limitar o número anual de escaladores.
Além do lixo acumulado, é normal que os alpinistas se deparem com os corpos de outros escaladores. Relatos não faltam. “Fui no dia 17 de maio, não vi nenhum corpo, mas amigos meus que fizeram cume depois falaram que uma pessoa morreu e que seu corpo ficou no caminho. Eu não vi nada.”
Sobre as mortes – mais de 240 desde 1921 –, Karina acredita que o despreparo é a maior causa de fatalidades na montanha. “A maioria é por erro humano. Claro, teve gente que morreu após avalanches e tempestades, mas é mais recorrente ver uma pessoa que não se prende direito na corda e cai, que já estava fraca e não deveria continuar subindo, tendo um edema. É negligência mesmo.”
Questionada sobre gravações e fotografias registradas no ano passado que mostram uma quantidade enorme de alpinistas em fila indiana rumo ao topo, Oliani afirma que não é bem assim. “Tem muita gente lá, é verdade, mas o ano passado foi muito ruim em termos de tempo. Foram três ou quatro dias de clima bom, o que a gente chama de ‘janela de tempo’. Foi todo mundo no mesmo dia, aí virou essa foto ridícula.” Em 2012, 234 pessoas subiram ao cume do Everest no dia 19 de maio – no dia 17 deste ano, foram 12.
 
VIDA PÓS-EVEREST
A médica brasileira segue fazendo planos. A lista de tarefas a ser cumpridas inclui as três montanhas restantes dos Seven Summits, wing walking (andar na asa de avião em pleno voo), escalar o Ama Dablam, no Himalaia, e visitas a países como Tailândia e Sri Lanka. Pergunto se existe alguma experiência que possa se igualar ao Everest, e Karina ri ao se lembrar de uma: “Entrar na faculdade de medicina foi muito difícil. Veja hoje em dia quantos anos de cursinhos e tentativas são necessários”.
Apesar do currículo extenso em termos de aventuras, e inclua aí um mergulho sem gaiola com sete tubarões, Karina Oliani não disfarça a timidez na hora de fazer as fotos. “Eu passaria fome se fosse modelo”, brinca. Ao ser perguntada se sofreu algum tipo de assédio nos acampamentos por ser muito bonita, primeiro ela rebate com “é você que diz isso”, mas depois relembra um fato inusitado de anos atrás no Everest. “Fui pedida em casamento. Claro que não ia acontecer, mas foi engraçado. Dessa vez eu estou usando esse anel (aponta para a joia dourada na mão direita) no quarto dedo, que brilha bastante. Todo mundo viu que sou compromissada e não teve assédio.”
 
* O Seven Summits é composto pelas seguintes montanhas: Everest (Ásia), Aconcágua (América do Sul), Denali ou McKinley (América do Norte), Kilimanjaro (África), Elbrus (Europa), Vinson Massif (Antártica) e Pirâmide Carstensz (Oceania). O Kosciuszko, na Austrália, faz parte da lista de Richard Bass, mas é menor que o Carstensz. Ainda assim, o site 7summits considera os alpinistas que escalaram tanto um quanto o outro. Niclevicz escalou os dois, enquanto Morgado fechou com Kosciuszko.

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